Eremitério

Estilo Literário

Acho que estou encontrando um estilo para meu fazer literário. Componho personagens como se fossem estudos de personalidade. Um certo fazer funcionar de um maquinário de desejos e vontades, associando fragmentos de personagens daqui e dali... Pego de mim e de outros, ficcionais ou não, e faço a máquina ganhar vida. Animo-a. Gosto de imaginar que a construção ficcional de personagens serve para a investigação psicológica, e não apenas para o encanto artístico. E é um grande desafio entender a psiquê de outros, afinal, não conseguimos ler mentes, apenas imaginá-las. Por exemplo:

Querido diário.

Sou uma pessoa ruim. Sou preguiçoso, não dou valor correto para as coisas. Não me estimulo para nada. Vivo de pequenas paixões, pequenos projetos semanais que resultam em nada. Não dou continuidade a nada. Tento, por breves momentos, mas nada faço além. Já busquei modelos para minha personalidade, interesses que saíssem da moda do dia a dia e até me vi como polímata. Achei que teria algo como uma vocação para a multidisciplinariedade — ou não seria uma desculpa? — Mas, a descontinuidade das minhas ações me impedem ser qualquer coisa. Sou apenas um sortudo que recebeu boa educação, o suficiente para me destacar num mar de mediocridade. Entre os pobres medíocres deste país, sou um servidor público por inércia, pela educação que tive e pela insistência de meus pais, principalmente minha mãe. Eu fui até onde ela conseguiu me levar, e provavelmente não fui além disso. O que conquistei por mim mesmo? Não sei. Acho que deslizei do momento que tive que andar por mim mesmo, e por certa inércia, fui um pouco mais a frente. Mas sinto que estou parando, que daqui não passo mais, pois sozinho sou incapaz. E finjo. Finjo, finjo, finjo tudo o que posso, que sou melhor do que sou. Mas o melhor é que sei fingir humildade. Sei, por hábito, ser o melhor dos cristãos, mesmo sem sê-lo. Posso ajudar e me sacrificar, mesmo sem crença, apenas por hábito, por arrogância, para dizer que sou algo melhor que os outros, mesmo sem dizê-lo, mesmo sem necessitar de um elogio. Finjo tão bem, me esforço tanto, que esqueço que a real razão para ser assim é que quero ser melhor que os outros. Ser melhor naquilo que todos conseguem quando são piores em tudo, ser cristão. Não faço nada de errado nem acredito na divindade. Sou um mergulhador de niilismo, pois diante da morte, optei pela vida, mas o mais próximo possível da morte. Quero estar, busco estar, ouso estar próximo do vazio, da morte, do nada... Simplesmente porque quando meus pais me soltaram, eu cai. Me deram asas, mas eu preferi não batê-las, até chegar quase no fim. Ali, pertinho, eu bato minhas asas, mas apenas o suficiente para não sucumbir de vez. Gravito o nada.